21.8.08

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Quantos quilos de insatisfação suportarão minhas clavículas? Digo clavícula porque nem cogito aviltar meus já infames e denegridos ombros com a mácula de um desprazimento recente.

Tenho as espáduas redundantemente ocupadas por todo tipo de embaraço, mas num nível de saturação que nada tem que ver com sua potência de soerguimento, e sim com a lotação espacial da sua oferta física. É curioso ver que minhas omoplatas tornaram-se propriamente um garfo de empilhadeira (nem tanto pela desordem da tablatura gênica como pela tenacidade fenotípica da vida), o que explica talvez sua eficiência no transporte das amarguras.

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Para além dos ombros insalubres e imemorialmente superlotados, encontro as outras regiões do corpo igualmente assediadas e usurpadas por um cartel de dissabores. As costas, previamente reservadas para o autoflagelo, encontram-se voltadas para o mundo. O rosto omisso está fechado para conhecidos e estranhos. O peito está vazio, mas também o vazio é uma forma de preenchimento. Os braços, mortificados pela fadiga do próprio peso, nem sequer se consideram mais membros da minha instituição. As mãos encontram-se apenas sujas, mas não da sujeira do trabalho, e sim da sujeira do remorso. As pernas estão esmorecidas, sojigadas pela carga alheia que veiculam. Os pés, por sua vez, estão gretados pela dureza da rotina nômade. E a consciência, finalmente, tornou-se ébria à medida em que o coração se fazia sedento. Tudo em mim veio hereditariamente parasitado. Quer dizer, quase tudo.

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Azar das clavículas.

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